“(…) eu contemplava o mar que, nessa hora, se erguia imperceptivelmente num movimento cansado, e saciava as duas sedes que ninguém pode enganar por muito tempo sem murchar: a sede de amar e a de admirar. Porque não ser amado é apenas questão de pouca sorte, mas não ser capaz de amar é uma desgraça. Todos nós, atualmente, morremos dessa desgraça. Porque a violência e o ódio murcham o coração e a prolongada luta por justiça esgota o próprio amor que lhe deu origem. No clamor em que vivemos o amor é impossível e a justiça não basta. E é por isto que a Europa odeia a luz do dia e não sabe senão opor a injustiça a si própria. Contudo, a fim de impedir que a justiça se endureça como um belo fruto cor de laranja que possui uma polpa seca e amarga, eu descobri novamente em Tipasa que devemos manter intacto, dentro de nós, um frescor, uma fonte de alegria, saber amar o dia que escapa à injustiça e, uma vez conquistada essa luz, retornar ao combate. Aqui reencontrei a beleza antiga, um céu jovem, e avaliei minha sorte, compreendendo que nos piores anos de nossa loucura a lembrança desse céu jamais me abandonara. Foi ele que, no final das contas, me impediu de desesperar. Sempre soube que as ruínas de Tipasa eram mais jovens que nossos canteiros de obras ou nossos escombros. Ali, o mundo recomeçava todos os dias numa luz sempre nova. Oh luz! Este é o clamor de todos os personagens de dramas antigos quando colocados diante de seu destino. Este também era o nosso último recurso, e eu sabia disto agora. Nas profundezas do inverno finalmente descobri um verão invencível em mim.”
Camus, Regresso a Tipasa