Anne Carson
Agora está pendurado no espaldar da cadeira da cozinha
onde eu me sento sempre,
no espaldar da cadeira da cozinha, onde ele sempre se sentava.
Eu o visto toda vez que chego,
como ele fazia, batendo as botas
para tirar a neve.
Eu o visto e me sento no escuro.
Ele não teria feito isso.
E cortante o frio que desce do osso da lua no céu.
Suas leis eram um segredo.
Mas eu me lembro do momento em que eu soube
que ele estava enlouquecendo dentro de suas leis.
Ele estava parado na entrada da garagem quando cheguei.
Vestia o cardigã azul com os botões todos fechados até em cima.
Não só porque era uma tarde quente de julho
mas o olhar em seu rosto…
como uma criança pequena que alguma tia vestiu de manhã bem cedo
para uma longa viagem
em trens frios e plataformas ventosas
e vai se sentar muito ereto na borda do seu assento
enquanto as sombras como longos dedos
sobre os montes de feno que passam zunindo
continuam a impressioná-lo
porque ele está viajando de trás para a frente.
Do livro Arquivo das Crianças Perdidas – Valeria Luiselli – p. 278