Lisel Mueller
No castelo da Bela Adormecida
o relógio bate cem anos
e a garota na torre volta ao mundo.
O mesmo ocorre com os criados na cozinha,
que nem sequer esfregam os olhos.
A mão direita do cozinheiro, levantada
há exatamente um século,
completa seu arco descendente
até a orelha esquerda do ajudante de cozinha;
as tensas cordas vocais do garoto
libertam finalmente
o sofrido lamento aprisionado,
e a mosca, capturada no meio de um salto
acima da torta de morango,
cumpre sua missão permanente
e mergulha no doce e vermelho esmalte.
Quando criança, eu tinha um livro
com uma gravura dessa cena.
Eu era muito jovem para perceber
como o medo persiste, e como
o ódio que provoca o medo persiste,
que sua trajetória não pode ser alterada
ou rompida, apenas interrompida.
Minha atenção estava na mosca;
no fato de que este corpo leve
com suas asas transparentes
e o tempo de vida de um dia humano
ainda ansiava por sua cota particular
de doçura, um século depois.
Trad.: Nelson Santander