Como ‘Strange Fruit’ matou Billie Holiday

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Foto de William P. Gottlieb. Billie Holiday e Mister at Downbeat em Nova York, ca. Fevereiro de 1947. Biblioteca do Congresso dos EUA

por Brandon Weber em 20 de fevereiro de 2018 

“Strange Fruit” pode ter sido escrita pelo compositor e poeta americano Abel Meeropol (também conhecido como Lewis Allen), mas desde que Billie Holiday cantou as três breves estrofes da música em 1937, ela se tornou a encarnação desta poesia.

Holiday, nascida Eleanora Fagan, disse que sempre pensava em seu pai quando cantava “Strange Fruit”. Ele morreu aos 39 anos de idade depois que um “Hospital para Brancos” negou a ele tratamento médico. Por causa dessa memória, Holiday relutou em incorporar esta música ao seu repertório, mas acabou por fazê-lo como uma maneira de contar às pessoas sobre a realidade da vida sendo uma pessoa negra na América.

“Isso me lembra como Pop morreu”, escreveu ela em sua autobiografia . “Mas eu preciso continuar cantando, não apenas porque as pessoas pedem, mas porque vinte anos depois da morte de Pop, as coisas que o mataram ainda estão acontecendo no sul”.

A música era tão pungente para Holiday que ela estabeleceu algumas regras quando a cantava em seus shows: ela fechava o show com a música; os garçons parariam de servir quando ela começasse; e o recinto ficaria na escuridão total, exceto por um holofote em seu rosto. Não haveria bis.

“Lady Day”, como Holiday era chamada por muitos na época, começou a trabalhar a música em seu repertório dezesseis anos antes de Rosa Parks se recusar a ceder seu assento no ônibus em Montgomery, Alabama. O escritor de jazz Leonard Feather se referiu à música como “o primeiro protesto significativo em palavras e música, o primeiro grito significativo contra o racismo”.

As estrofes da música eram chocantes para alguns membros do público majoritariamente branco de Holiday:

Árvores do sul dão frutos estranhos

Sangue nas folhas e sangue na raiz

Corpos negros balançando na brisa do sul

Fruta estranha pendurada nas árvores.

Às vezes, sua apresentação da música era recebida com uma feroz rejeição. Embora muitas pessoas soubessem que linchamentos de afro-americanos no sul eram comuns, houve resistência ao fim da prática entre os brancos do sul. O racismo, combinado com o desejo popular de limitar o poder federal sobre as ações locais, impediu as pessoas do Norte de tomarem medidas bem-sucedidas para acabar com os linchamentos no sul.

No final, a insistência de Billie Holiday em executar “Strange Fruit” pode ter sido responsável por sua morte.

Uma das principais tentativas de silenciá-la veio de um homem chamado Harry Anslinger, o primeiro comissário do Bureau Federal de Narcóticos e que era um racista extremo, mesmo para os anos 30. Como detalha Johann Hari em Chasing the Scream: Os Primeiros e Últimos Dias da Guerra contra as Drogas, Anslinger afirmou que os narcóticos fizeram os negros esquecerem seu lugar na sociedade americana, e que os músicos de jazz eram particularmente perigosos, criando músicas “satânicas” sob a influência da maconha.

Holiday, que ao longo de sua carreira chamou a atenção do público para o impacto devastador da supremacia branca, também era usuária de drogas. Ela chamou a atenção de Anslinger, e ele  ordenou que Holiday parasse de tocar a música. Holiday se recusou e Anslinger aumentou seus esforços para silenciá-la.

Depois que um dos homens de Anslinger foi pago para rastrear Holiday e forçá-la a comprar e usar heroína, ela passou dezoito meses na prisão. Após a sua libertação em 1948, o governo federal recusouse a renovar a sua licença de artista, que era obrigatória para qualquer artista tocando ou cantando em qualquer clube ou bar que servisse álcool.

Isso minou totalmente sua carreira. Embora Holiday tenha conseguido realizar várias apresentações esgotadas no Carnegie Hall nos próximos anos, ela não podia mais viajar para tocar no circuito de clubes.

Incapaz de se apresentar regularmente nos locais que amava, e de parar de se lembrar de uma infância que incluía ter sido violentada aos dez anos de idade e trabalhar em um bordel com sua mãe, Holiday finalmente começou a usar heroína novamente. Quando ela se internou em um hospital de Nova York em 1959, seu fígado estava com problemas, tomado pelo câncer. Ela estava emaciada, e seu coração e pulmões estavam comprometidos. Apesar de sua condição, ela não queria ficar lá. “Eles vão me matar. Eles vão me matar lá. Não deixem isso acontecer – ela implorava a amigos e familiares.

De fato, os homens de Anslinger, pressentindo uma oportunidade macabra, apareceram ao lado da cama de seu hospital, algemaram-na, tiraram fotos, removeram presentes que as pessoas trouxeram para o quarto – flores, rádio, toca-discos, chocolates, revistas – e colocaram dois policiais na porta.

Mesmo assim, quando os médicos começaram o tratamento com metadona, Holiday começou a melhorar, ganhando peso e melhorando lentamente. Mas então os homens de Anslinger impediram a equipe do hospital de administrar mais metadona. Ela sucumbiu à morte em poucos dias.

A única versão filmada sobrevivente de Holiday tocando a música é do programa de televisão britânico de cabaré “Chelsea At Nine”, gravado em 25 de fevereiro de 1959 e lançado em março do mesmo ano, apenas alguns meses antes de sua morte. Sua voz é forte e impressionante; a emoção crua simplesmente devastadora.

 [youtube https://www.youtube.com/watch?v=dnlTHvJBeP0&w=560&h=315]

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